



Eu disse intrigado no início deste texto porque essa história me fez refletir sobre a relação extremamente peculiar – ou mesmo única – que o ser humano possui com a comida.
Depois de refletir muito, eu concluí que comer é o único prazer que o ser humano consegue ter, com a mesma plenitude, desde o instante em que ele nasce,até o instante em que ele morre.
A primeira coisa que um bebê recém-nascido faz é chorar. Chora porque tem fome e, bem alimentado, para imediatamente de chorar. O prazer do bebê é o mesmo daquele paciente/pai que, nos seus últimos instantes, pôde saborear aquele pastel trazido ao CTI por seu filho (que era médico mas ao mesmo tempo era um ser humano e, nessa condição, compreendia que o prazer de uma boa comida seria bem mais eficiente para o seu paciente/pai,do que qualquer remédio do qual se tivesse conhecimento).
Pois muito bem. Passemos a tratar daqueles que concentram, em suas mãos, o poder e o privilégio de proporcionar às pessoas esse prazer peculiar, único e pleno.
Em matéria de culinária, o talento por si só não basta (independentemente do quão grande seja ele). O que faz – e principalmente o que mantém – um grande cozinheiro é tão essencial quanto básico: o amor pelo seu ofício. É por isso que, não raramente, um cachorro-quente preparado na mais simples carrocinha de rua pode acabar proporcionando ao seu respectivo consumidor muito mais prazer do que lhe poderia proporcionar o mais refinado e criativo prato de nouvelle cuisine.
Aliás, não duvidem se qualquer dia desses o amor da dona daquela carrocinha de cachorro-quente pelo seu ofício for capaz de transformá-la em uma incomparável chef de cuisine.
Outro ingrediente fundamental ao sucesso de qualquer cozinheiro é a sua simplicidade. Eu já não me lembro mais o que senti, na semana passada, ao comer aquele lindo e cirurgicamente bem decorado prato à base de lagosta (ou outro personagem do mar), acompanhado de algumas porções com nomes impronunciáveis, naquele renomadíssimo e premiadíssimo restaurante (cujo nome fica aqui omitido) e cujos funcionários me trataram como tratavam tantos outros clientes que lá estavam pelos mais variados motivos, mas não para efetivamente vivenciar uma experiência alimentar prazerosa e plena.
Por outro lado, ainda que eu consiga viver 100 anos, jamais me esquecerei do prazer que eu sinto ao comer o frango assado com farofa de ovos preparados pela minha avó, a torta de goiabada preparada pela minha outra avó, e os camarões ao catupiry preparados pela minha mãe.
Em matéria de prazer e plenitude proporcionados, todo requinte daquela lagosta (ou daquele outro personagem do mar) inominada não conseguiu chegar nem mesmo perto da absoluta simplicidade dos demais pratos aos quais me referi acima.
Mas o que será que faltou àquele grand chef de cuisine – de cujo nome eu também não me lembro mais e, ainda que me lembrasse, acabaria omitindo –,e que nunca faltou e nem falta às minhas avós e mãe?
A resposta, meus caros, tem a mesma simplicidade que derrotou o requinte sem nenhum esforço: elas (avós e mãe) não estão ali nas suas cozinhas para preparar mais um frango, mais uma torta e nem mais um prato de camarões ao catupiry. Elas estão ali para agradar uma pessoa querida. Eis o segredo.
Eu sempre tive paixão absoluta por comida. E nesse contexto, requinte e simplicidade sempre me pareceram conceitos antagônicos. Foi quando me surgiram, sem pedir licença, a queridíssima Feiticeira e os seus não menos queridíssimos aprendizes de feitiçaria que, pela simples maneira como atendem cada um dos clientes que se apresentam na inconfundível casinha laranja à beira do canal, deixam claro que amam cada detalhe de tudo aquilo que fazem ali (qualquer que seja a sua função). E que isso é o que lhes realiza e lhes faz sentir, dia após dia e já há gloriosos e bem sucedidos 5 anos de muita luta, aquela sensação gostosa, indescritível e inigualável de “missão cumprida”.
A Feiticeira e sua equipe de aprendizes de feitiçaria não fazem nenhuma questão de esconder o segredo de todo seu sucesso: ela e eles se devotam às suas funções com o mesmo amor que as minhas avós e a minha mãe se dedicam àqueles que sabem ser os meus pratos favoritos.
Posso garantir a vocês, meus caros, que absolutamente nada do que eu tenho tido o privilégio de vivenciar e experimentar, naquela casinha laranja à beira do canal, será esquecido. Por mais que seja um local requintado (um verdadeiro castelinho laranja à beira do canal), certamente foi a simplicidade daquelas pessoas e o amor que elas devotam ao que fazem que as tornaram quem elas são hoje.
Vida longa à Feiticeira e aos seus aprendizes de feitiçaria. Vida longa à casinha laranja à beira do canal. Que todos continuem ainda, por muitos e muitos anos (100,no mínimo!), proporcionando a todos nós este que, como eu disse acima, é o maior e mais pleno prazer que nós temos nas nossas vidas.
As palavras de Adélia Prado são oportunas para o final deste texto: "Minha mãe cozinhava exatamente: arroz, feijão roxinho, e molho de batatinhas. Mas cantava." É isso mesmo. Quem sabe proporcionar às pessoas,todo prazer que essa Feiticeira e os seus aprendizes de feitiçaria proporcionam deve mesmo poder ser assim: Feliz e realizado, mesmo que com as coisas mais simples. Cantando sempre!
Ah! E qualquer semelhança entre a parte final desse poema e aquelas cifras carinhosamente postadas via Twitter, diretamente da Sudvitrola, é mera coincidência, ok? Ou talvez não...
E então... Quer ser cozinheiro?"